quinta-feira, 28 de maio de 2015

Poema do Caio



não sei bem se era pedra
mas no meio do caminho
houve um cansaço, uma queda
um vacilo, um desabraço
um suspiro ou um tropeço
um bagaço, algum cochilo
qualquer coisa tão pequena
nós nem notamos que havia

não sei direito o que houve
ou que não houve, quem sabe
sei que não tinha preparo
em nós, nas coisas, em nada
sei que a gente não sabia
dos meandros do caminho
dos depois que vinham vindo
para amargar nossas bocas

deve ter tido um começo
espaço, cama, cozinha
quem sabe uma mesa posta
talvez um rádio ligado
não lembro daquela hora
minha memória dormiu
não localizo esse dia
tua memória, apagou

depois de todo esse tempo
sobrou um corpo a teu lado
e um arremedo de espanto
restou um corpo a meu lado
e esta ressaca de encanto

26 de novembro de 1980.




segunda-feira, 25 de maio de 2015

Duas linhas de Herberto Helder

"e eu sensível apenas ao papel e à esferográfica:
à mão que me administra a alma"



quinta-feira, 21 de maio de 2015

Descobertas - Mia Couto

As amigas me indicaram este homem. E eu vou descobrindo pouco a pouco. E deixo aqui um trechinho:

"A família, a escola, os outros, todos elegem em nós uma centelha promissora, um território em que poderemos brilhar. Uns nasceram para cantar, outros para dançar, outros nasceram simplesmente para serem outros. Eu nasci para estar calado. Minha única vocação é o silêncio. Foi meu pai que me explicou: tenho inclinação para falar, um talento para apurar silêncios. Escrevo bem, silêncios, no plural. Sim, porque não há um único silêncio. E todo o silêncio é música em estado de gravidez.

Quando me viam, parado e recatado, no meu invisível recanto, eu não estava pasmado. Estava desempenhado, de alma e corpo ocupados: tecia os delicados fios que se fabrica a quietude. Eu era um afinador de silêncios."



domingo, 17 de maio de 2015

Alberto Caeiro



Dá pra ler no livro, ouvir no carro, etc.

"Olá, guardador de rebanhos,
Aí à beira da estrada,
Que te diz o vento que passa?

Que é vento, e que passa,
E que já passou antes,
E que passará depois.
E a ti o que te diz?

Muita cousa mais do que isso.
Fala-me de muitas outras cousas.
De memória e de saudades
E de cousas que nunca foram.

Nunca ouviste passar o vento.
O vento só fala do vento.
O que lhe ouviste foi mentira,
E a mentira está em ti."


quarta-feira, 13 de maio de 2015

Um poeminha lindo

Não peço ao diabo
que me perdoe, dou
a deus o meu pecado
chegarei ao inferno puro




domingo, 10 de maio de 2015

Hope: a tragedy

As primeiras duas páginas do livro:



"It's funny: it isn't the fire that kills you, it's the smoke.

There you are, pounding on the windows, climbing higher and higher through your burning home, trying to get away to get out, hoping that if you can just avoid the flames, perhaps you'll survive the fire, but all the time you're suffocating slowly, your lungs filling with smoke. There you are, waiting for the horrors to come from some there, from some other, from without, all the while you're dying, bit by airless bit, from within.

You buy a handgun - for protection, you say - and drop dead that night from a heart attack.

You put locks on your doors. You put bars on your windows. You put gates around your house The doctor phones: It's cancer, he says.

Swimming frantically up to the surface to escape from a menacing shark you get the bends and drown. 

You resolve, one sunny New Year's Day, to get back into shape. This is the year, you insist. A new beginning. A new start. A stronger you, a tougher you. At the health club the following morning, just as you're beginning your third set of bench presses, your muscles cramp and the barbell collapses onto your neck, crushing your windpipe. You can't cry out. Your face turns blue. Your arms go limp. There, on a poster on the wall beside you, are the last words you see before your eyes close and darkness envelopes you for eternity:

Feel the Burn.

It's funny."

quarta-feira, 6 de maio de 2015

Etgar Keret

Vou dizer que é muito difícil encontrar cronista/contista bom (atualmente). Somos inundados com histórias ruins. Aí é uma FELICIDADE ter encontrado Etgar Keret. 

Trecho de "Apenas outro pecador". Deste livro aqui:






"O escritor não é nem santo, nem tzadik, nem profeta parado no portão; é apenas outro pecador com uma consciência um pouco mais aguda e uma linguagem ligeiramente mais precisa para usar na descrição da realidade inconcebível de nosso mundo. Ele não inventa um único sentimento ou pensamento - todos existiam muito antes dele. Ele não é nem um pouco melhor do que seus leitores - às vezes é muito pior - e assim deve ser. Se o escritor fosse um anjo, o abismo que o separa de nós seria tão grande que seu texto não se aproximaria o suficiente para nos tocar. Mas como ele está aqui, a nosso lado, enterrado até o pescoço em lama e sujeira, é ele que, mais do que qualquer outro, pode partilhar conosco tudo que se passa em sua mente, nas áreas iluminadas e principalmente nos cantos escuros. Ele não nos leva à Terra Prometida, não traz paz ao mundo nem cura os doentes."

domingo, 3 de maio de 2015

God Help the Child

Décimo primeiro livro dela. Minha autora, prêmio Nobel de literatura. É pra ler direto, num só fôlego. Melhor coisa dos últimos tempos. Na página 8:

I'm scared. Something bad is happening to me. I feel like I'm melting away. I can't explain it to you but I do know when it started. It began after he said, "You not the woman I want."

"Neither am I."



sexta-feira, 1 de maio de 2015

The lesson

Trecho inicial do conto: "The Lesson" da Hilene Flanzbaum, deste livro:






"I am not an optimist. I don't believe that the glass is half full. I am the grandaughter of four Eatern European Jews who fled Poland to escape pogroms. When it is sunny, I look for rain. When the phone rings after ten P.M., I start planning the funeral. My favorite joke is: 'Jewish telegram - 'Start worrying; details to follow.' I tell you this so you will not think of me as a perky upbeat person, in denial of every dark emotion she has ever had. Nor am I religious, or even sure I believe in God. I am dark: my hair is dark; my eyes are dark. And so, as both an intellectual and a cynic, I have trouble admitting this but here goes: Having breast cancer changed my life - for the better."