sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Nelson

Início de crônica publicada em "O Globo" de 01 de julho de 1968.

1. Ontem, em plexo expediente, comecei a sentir uma misteriosa angústia. Quero que me entendam. Disse "angústia", mas explico - era um sofrimento menor e indefinível. Paro de bater à máquina e puxo um cigarro. Sofria sem nenhum motivo preciso, concreto. Fui ao boteco da esquina tomar um cafezinho. A angústia continuava lá. Mexendo o cafezinho, descobri subitamente tudo. Eu me afligia porque estava sentindo falta de uma coisa e não sabia o quê. Voltei para a redação e aquilo não me saía da cabeça. "Falta alguma coisa", repetia para mim mesmo.

2. Mas não sabia o que era. Paciência. Quero trabalhar e não posso. De repente, há um clarão interior: - as polainas! Eu sentia, exatamente, a falta das polainas. Não em mim, que nunca as usei, mas nos outros. Olhem em torno, baixem a vista. As polainas desapareceram da cidade, do País. São antigas, espectrais, como o guarda-chuva de Paulo de Frontim. Será que alguém as usa? Esqueço o trabalho e me concentro. Eis a pergunta que me faço: - "Qual foi o último sujeito que eu vi de polainas?"


Obs - colocamos esta foto e perguntamos sobre Nelson Rodrigues lá na nossa página no face. A linda Paraísos de Papel.

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